Angra Jazz 2024
Foi bonita a festa, pá!
Foi bonita a festa, pá!; o Chico que me perdoe o abuso da apropriação da frase.
Foi bonita a festa dos 25 anos do AngraJazz*, quatro dias**, quase quinze horas de música***, a sala sempre cheia, os convivas vestidos a rigor desafiando a intempérie; os mestres de cerimónia não cabiam em si de contentes.
Se para o público construir um festival será apenas «escolher músicos», todo ele é um processo complexo e moroso, é muito mais do que isso, muito trabalho burocrático, muitas relações públicas, (muitas coisas bizarras como inventar um piano), muito trabalho invisível, e o AngraJazz que hoje se celebra construiu-se ao longo de 25 anos sem profissionais pagos e muita «carolice», superando a insularidade, aprendendo com os erros; e ele aí está, como um dos mais importantes festivais de Jazz nacional, com um prestígio verdadeiramente internacional.
Para o que ao público interessa, a programação contou este ano com oito concertos na sua sala nobre, e mais uma dúzia de concertos de rua por toda a cidade, ao longo de uma semana.
Já o escrevi na apresentação do festival, alguns dos concertos revelam a diferença e seriedade da programação, como o desenho do festival é o resultado de muitas horas a ouvir discos, dezenas, centenas!, de muita conversa, muito debate, e de muita paixão pelo Jazz; um processo de escolha cirúrgica que escapa à rotina e à gestão da oferta dos promotores, e/mas não se esquiva ao risco. Só assim podem ser vistos os concertos do Mário Laginha/ João Paulo Esteves da Silva, o AngraJazz Legacy Quintet, o Ben Rosenblum Nebula Project e afinal também o Ricardo Toscano «Bird With Strings». E mesmo se alguns deles estarão longe de terem sido concertos excepcionais, esse processo de selecção evidencia, como disse, a diferença, e a paixão pelo Jazz.
E os concertos confirmaram a felicidade e acerto do trabalho de programação, e do trabalho sério e metódico, invisível, em prol do Jazz e afinal da Cultura.
* 26, aliás, porque o covid não lhe autorizou o 2020.
** mais um dia que o habitual.
*** mais oito, se lhe juntarmos os concertos do Jazz na Rua .
O festival.
Orquestra AngraJazz com Perico Sambeat
A abertura esteve, como sempre, a cargo da Orquestra AngraJazz, que este ano teve como solista convidado o veterano Perico Sambeat, um músico com um prestígio internacional que dispensa apresentações.
É uma orquestra muito mais madura do que eu conheci há quase vinte anos. Mais segura, possante, com um punch notável, que lhe revela o modelo que eu adivinharia próximo da Thad Jones/ Mel Lewis Orch, e onde encontramos um punhado de solistas que se vêm revelando e afirmando ao longo dos anos. E se mais não é possível, será porque a insularidade o não autoriza, que nesta coisa do Jazz não há milagres. Falta regularidade, faltam concertos à orquestra, seria preciso que a orquestra, e aqueles músicos, tocasse todos os dias. É por isso que é notável que, ainda assim, a orquestra venha crescendo, que mais solistas ousem saltar para a ribalta, como será assinalável que a orquestra detenha já um repertório de algumas dezenas ou centenas de títulos, e que os ataque com afoito.
Henry Mancini, Dave Brubeck, Billy Strayhorn, Gerry Mulligan, um bolero dos ans 30, «Muñequita Linda» e «A Sleeping Bee» de Harold Arlen, o melhor momento da noite, com um engenhoso arranjo para saxofones de Sambeat, e o remate musculado para o «On the Ginza» de Wayne Shorter. Solos do aniversariante Paulo Borges, um dos nomes seguros da orquestra, também de Rui Borba, o muito jovem Guilherme Costa, Claus Nymark, os já referidos Antonella Barletta, Tomás Reis e Perico Sambeat de novo, entre outros.
Direcção eficiente de Pedro Moreira.
Camilla George Quartet
O segundo concerto da noite teve como protagonista a saxofonista nigeriana/ britânica Camilla George, que veio a Angra defender as virtudes do afro-futurismo.
Herdeira de Fela Kuti e Charlie Parker, e outrossim de JeanToussaint e Courtney Pine; África e o funky, (curiosamente) as Caraíbas e o hip-hop, marcam o seu Jazz-pop, que tem como companheiros de estrada Shabaka ou Nubya Garcia.
O Jazz britânico tem-nos oferecido recentemente interessantes saxofonistas, muito marcados por John Coltrane e Charlie Parker quase todos, e quase sempre também marcados pelo funky; e essa marca foi sempre óbvia na música da jovem Camilla George, clara na pressão rítmica da banda.
Mas o que começa por ter graça acaba por revelar também a sua debilidade quando o funky se aproxima perigosamente do lounge. A forma (funky-hip-hop-lounge-pescadinha-de-rabo-na-boca) e a banda - um teclista-scat-singer monótono e um baixista fútil-, condicionaram o concerto, que ainda assim, o saxofone de Camilla George salvou. Porque ela é um verdadeiro vulcão que o espartilho smooth não contém, e ela foi capaz de explicar como é um dos mais dignos representantes do Jazz no feminino da actualidade.
Essa é outra das marcas do novo Jazz britânico, que tem trazido para a ribalta novos músicos e valores sociais, e a política, e a voz das mulheres, onde Camilla se vem afirmando por direito próprio.
«The People Could Fly» (e uma história de escravos e liberdade) e «Ibio-Ibio», os dois discos da jovem Camilla George estiveram em destaque, num concerto animado e muito aplaudido.
João Paulo Esteves da Silva e Mário Laginha
João Paulo e Mário Laginha tinham tocado juntos há mais de trinta anos e nunca mais se tinham encontrado a sós; e este concerto – dois pianos frente a frente - foi uma encomenda da direcção do festival.
Dois grandes músicos, com personalidades bem distintas, este encontro era um desafio aguardado, mas a verdade é que se desafio houve ele nunca se revelou ao público: os dois pianistas têm em comum a versatilidade, mas também a empatia com os outros músicos.
Mais ou menos próximo da pauta, mais ou menos improvisação, a «alma portuguesa» esteve presente em «Samba Leve» de João Paulo e no belíssimo «Olhos Negros», um tradicional terceirense, canção de despedida dos jovens de partida para a guerra na Guiné; o fascínio comum por Keith Jarrett revelou-se em «Adeus América» de João Paulo; África assomou pela mão de Mário Laginha com «Jaamm Rek», gravado com Julian Argüelles e Helge Norbakken; o clássico «Mack the Knife» de Kurt Weill/ Bertolt Brecht fez-se sentir antes de se revelar, num arranjo curioso; ainda «Certeza» de João Paulo, talvez o maior standard de Jazz português, de acordo com Laginha; o «Fado Choro», uma «mini-sonata», como a classificou Laginha, e o inevitável encore coube à «Despedida» de Laginha. Repertório democraticamente repartido, a plateia estava ganha desde os primeiros acordes.
Concerto muito melodioso, diria que, nas diferenças, e na procura do encontro, ambos revelaram uma mesma convicção de que não há Jazz ou música clássica, folclore ou músicas populares, mas apenas música.
Catherine Russell
Catherine Russell foi a protagonista da noite do Jazz vocal desta edição do festival. Russell tem uma história curiosa: por muitos anos a fazer os background vocals dos mais diferentes músicos dos mais variados géneros, do Jazz à pop music, da soul aos blues; ela foi relutantemente convencida pelo marido para gravar um disco, com imediato sucesso.
De um cantor de suporte exige-se técnica e dotes vocais e desde o primeiro momento foi evidente que esses predicados ela possuía de sobra, mas também uma enorme presença de palco capaz de fazer o espectáculo que é exigido aos cantores, completado com um conhecimento da história que a autorizou a cantar Fats Waller, Nat King Cole, Billie Holiday, Hot Lips Page, James P. Johnson, Ray Charles, Count Basie, Wynonie Harris, Charlie Rich, King Oliver, Tyler Brown, Helen Hughes, Dinah Washington, Louis Jordan; não se esgotando nos cantores e não se esgotando no Jazz ou nos blues ou na soul.
Técnica irrepreensível, articulação perfeita, amplitude vocal, ela não tem ambições para além da perfeição; cantora clássica sem reservas, puro entretenimento afinal, não desiludiu o seu público.
Vijay Iyer Trio
Vijay Iyer não é um pianista consensual. Apesar da já longa carreira de trinta anos, ele continua a ter tantos apoiantes como detractores nas discussões espúrias do velho Jazz e do novo Jazz, do swing e do não swing. Mas naquelas duas ou três coisas definidoras, ele deveria ser consensual: ele é um compositor na linha dos Thelonious Monk, Earl Hines e Duke Ellington, Herbie Nichols, Cecil Taylor, Andrew Hill e Geri Allen. E ele é um improvisador, na linha de todos eles também. E também, em palco, a sua relação com os outros músicos é igualmente típica do Jazz e de mais nada, na forma como os ouve e como eles, cada um e todos, contribuem a cada momento para o todo, como a música evolui, não limitada à pauta ou, pelo contrário, com limites, os limites que o colectivo e a música lhes impõem; na forma como se ouvem. A «linguagem» não lhe parece relevante, como ela foi questionada por outros, ou como ela deixou de ser importante depois de Coltrane e Ornette. A sua música encontra-se no cruzamento da tradição Jazz com a música erudita, de uma contemporaneidade irredutível.
Vijay Iyer tem tocado bastante em Portugal, mas nunca tinha vindo a Angra, e a sua estreia nos Açores vinha associada a alguma legítima expectativa. E diferente dos primeiros concertos a que lhe assisti desde há dez a nos, a música de Vijay Iyer vem-se tornando até mais acessível (aos ouvidos menos treinados), e em especial desde a constituição do trio com Linda Ho e Tyshawn Sorey, 2019, com quem fez os dois últimos discos, Uneasy e Compassion. E os concertos dos últimos anos têm sido diferentes abordagens dessa mesma música, «imposta» até pela alteração da formação no baixo e na bateria. No caso, eu tinha assistido ainda este ano a um concerto do trio de Vijay Iyer, e tinha podido constatar a importância daquele baterista, Jeremy Dutton, menos subtil que Sorey, mas fulgurante e impressivo. O concerto de Angra introduziu outra alteração com a convocação do impulsivo Nick Dunston para o contrabaixo.
O repertório abraçou os dois últimos discos e, à semelhança do que vem fazendo, o concerto decorreu quase sem interrupções. Mais tranquilo que antes, se o posso dizer, Vijay parecia quedar-se sobre cada um dos temas, como se os interrogasse, improvisando, olhando-os de uma ou outra perspectiva, em ostinatos, obsessivamente. Oferecendo muito espaço ao jovem baixista, que esteve em evidência, aqui e ali, talvez, algo excessivo, Vijay pareceu deixar-se conduzir amiúde pela voluptuosa secção rítmica. Mais calmo também, Vijay prolonga-se numa longa melodia dedicada ao poeta Sabah As-Sabah; um lamento sombrio, cálido e bonito, «ele não era um guerreiro, era um poeta». «Respect, compassion, is what we need»; o piano que se precipita antes de se calar.
Ben Rosenblum Nebula Project
O projecto de Ben Rosenblum carregava um risco, dado a escolha se tinha baseado apenas na audição de dois discos e abonações que se revelaram excessivas, mais fundadas na ambição do que na concretização. O que terá seduzido os programadores terá sido a procura de universalidade, a par de
alegria na execução, que esteve sempre presente.
A ambição não teve, no entanto, equivalência na execução, e a universalidade revelou-se inconsistente na dispersão, onde nem sequer o Jazz foi sempre o elemento comum. Música de inspiração celta, reggae, folk, a américa latina e o forró, a música Yiddish e búlgara e swing, e mais um pouco de tudo, num processo de fusão de folclores que resultou em confusão, e nem sempre teve, sequer, na execução, instrumentistas à altura e, menos ainda, improvisadores, com a excepção para os saxofonistas. Um longo caminho a percorrer. Valeu a alegria.
Ricardo Toscano Quarteto + Ensemble AH
Perdoem-me os iconoclastas, mas eu nunca fui um fã do «Bird with Strings». Não por ser uma obra irreverente, mas porque, a meu ver, nunca revela o «Charlie Parker o maior improvisador de todos os tempos». Posto isto, é uma obra bonita, foi escandalosa à altura, hoje em dia perdeu a novidade, mostra-nos um Charlie Parker tranquilo, e é sim uma peça incontornável, que até nem todos afinal estão à altura de interpretar.
Sendo Ricardo Toscano um coltraneano, Parker é um dos seus ídolos inequívocos, e seria inevitável que, mais cedo ou mais tarde, ele haveria de visitar o «Bird with Strings».
E, pompa e circunstância, nada melhor para a festa do AngraJazz que a histórica peça, diria, e os programadores convidaram também o Ensemble AH, uma formação clássica com ligações ao Conservatório Regional de Angra do Heroísmo. A direcção musical do projecto esteve a cargo de Pedro Moreira.
Mesmo não sendo historicamente a mais antiga, o quarteto de Ricardo Toscano será porventura a mais longeva das bandas de Jazz nacionais com actividade regular; e essas regularidade e longevidade reflectem-se na empatia absoluta que revelam em palco. Mérito do ensemble de Elena Kharambura, da direcção de Pedro Moreira e do quarteto, algumas incógnitas sobre a integração com os AH foram desvanecidos logo nos primeiros momentos de «They Can't Take That Away from Me» com que o concerto começou.
Toscano escolheu uma dúzia de entre as duas de temas gravados nas duas sessões de 1949 e 50 por Bird, de «Summertime» a «I Didn't Know What Time It Was», a que lhes juntou dois temas tocados apenas pelo quarteto, «The Gypsy» e um outro que não reconheci, e ainda um remate com um dos melhores momentos da noite com «Ezz-thetic», de George Russell, tocado, mas nunca gravado por Bird, num soberbo trabalho de composição e arranjo que rompia com a lógica do disco. («Ezz-thetic» é o tema de abertura de «Ezz-thetics», álbum de Russell de 1961)
Muito bonito, mas sem grandes arrojos, um concerto tranquilo onde a atenção esteve sempre focada no saxofone etéreo de Ricardo Toscano, mas onde todos tiveram oportunidade de intervir.
Angrajazz Legacy com Francesco Cafiso
Grupo de constituição algo atribulada, o próprio nome, Angrajazz Legacy, de circunstância, este concerto era o segundo grande risco do festival, mas revelou-se bem mais pacífico e assertivo (que o do Nebula).
Constituída por discípulos de Ulisses Owenns Jr., a que se juntou o saxofone de Francesco Cafiso, o projecto garantia a qualidade dos músicos, mas sentenciava também a irredutibilidade do Jazz que iria ser tocado, e ele não se moveu um milímetro.
A começar pelo repertório, recheado de clássicos, de «Steven Steps to Heaven» a «Caravan» a par de alguns originais, «Prodigal Son» de Tyler Bullock, o pianista, ou Better Days («something we’re hopping for»), uma composição do trompetista Anthony Hervey, muito ao estilo new orleans de Wynton Marsalis que, diria, aqui e ali foi pairando sobre a banda.
Bop, post bop, hard bop, a herança do jazz clássico esteve sempre presente, e nem por momentos ela foi questionada. O saxofone de Francesco Cafiso, o veterano da banda apesar dos 35 anos de idade, é um parkeriano intransigente, que se denuncia nos jorros de notas muito rápidas, e esteve sempre na boca de cena. Mas, apesar de, como referi na antecipação do concerto, esta ser uma formação de ocasião: «os alunos de Ulisses Owens Jr», ou talvez por isso, ela não revelou nenhuma debilidade. Da acutilância do trompetista à segurança do contrabaixista, ao stride atento do pianista, e enfim à direcção e volúpia do baterista; esta é uma banda perfeita.
A alegria, energia, a verdade, o evo absoluto do Jazz clássico em noventa minutos, a encerrar o Angra Jazz da melhor forma.
O AngraJazz chegava a fim, e José Ribeiro Pinto não disfarçava o orgulho do trabalho bem-feito ao longo das 25 edições do festival, e fez questão de mencionar todos os que de uma ou outra forma contribuiram para a sua existência: os inspiradores Prof. Duarte Ponte e Dr. Sérgio Ávila, mas também Fernando Gomes, o primeiro afinador de pianos do festival, Paulo Gil, com quem aprenderam muito da relação com produtores e músicos, dos técnicos de som que há muito os acompanham, e finalmente Bruno Walter Ferreira e João Pedro Mont’Alverne, que com eles partilharam anteriores direcções da Associação AngraJazz, e os elogios emocionados não esqueceram ninguém; a começar enfim pela associaçao e a sua direcção actual, Miguel Cunha, Luis Mendes, Rui Borba e Rui Melo.
Uma nota final para o Jazz na Rua, que tem vindo a crescer paralelamente ao festival, levando o Jazz um pouco por toda a cidade. Este ano o Jazz na Rua teve treze realizações em diversos estabelecimentos comerciais, hotéis, livrarias, museus e escolas, entre concertos e masterclasses, que contou com os combos de Sofia Dutra e Sónia Pereira, o quarteto de Ricardo Toscano e os Wave Jazz Ensemble, uma formação saída da Orquestra AngraJazz.
O AngraJazz 2024 acabou. Longa vida ao AngraJazz!
(Todas as fotos por Rui Caria)
(Leonel Santos esteve no AngraJazz a convite do festival)
Antecipação de 23 de Setembro de 2024
O primeiro dos festivais de internacionais de outono nacionais comemora 25 edições (apenas interrompidas pela pandemia), as razões para celebrar são muitas e este ano vai haver festa!
Nascido na pérola do Atlântico, o AngraJazz logrou ao longo dos anos superar as adversidades da insularidade e afirmar-se uma instituição. Por ele passou a nata do Jazz dos dois lados do oceano, centenas de músicos!, mas muitos pequenos segredos que apenas alguns conhecem. Programação variegada, atenta e moderna, sem se deixar levar por modismos, sólida e rigorosa, e irredutivelmente Jazz.
Em ano de festa o AngraJazz prolonga-se por mais um dia, dois concertos e muitas surpresas; ao todo cinco internacionais e dois nacionais, e ainda a orquestra, já filha adulta do festival, com o ilustre convidado Perico Sambeat, com que abre o festival.
O festival arranca dia 2 de Outubro, e à Orquestra AngraJazz com Perico sucede-se o quarteto de Camilla George, a jovem estrela do brit Jazz. Camilla possui uma sonoridade de matriz coltraneana, singularmente matizada com elementos da pop, hip-hop, soul, jamaicana e africana.
O segundo dia começa com o raro encontro de dois dos mais brilhantes pianistas da cena nacional, Mário Laginha e João Paulo Esteves da Silva. Laginha e João Paulo são dois artistas completos, músicos que aliam o virtuosismo instrumental ao engenho como compositores, e a expectativa em torno deste concerto é verdadeiramente legítima.
A “noite da cantora” tem como protagonista Catherine Russell. Nascida de uma família com grandes tradições musicais e jazzísticas, e apesar de uma longa carreira nas background vocals, ao lado de Madonna, Paul Simon, Diana Ross ou David Bowie, entre inúmeros outros, o seu primeiro disco a solo surge muito tarde; e desde logo como um sucesso, com prémios por todo o lado, incluindo um grammy. Cantora de Jazz, blues e soul, a sua voz pertence à linhagem das grandes cantoras negras, e não desiludirá o público.
Não tenho encómios bastantes para qualificar a mestria de Vijay Iyer, o pianista que abre a noite de sexta-feira. Pianista superlativo, excessivo, dirão, ele é um dos grandes nomes do Jazz contemporâneo.
O concerto que se segue, do Ben Rosenblum Nebula Project, e o de encerramento do festival, dos alunos de Ulysses Owens Jr., são do tipo de concertos que marcam a diferença num festival, porque pressupõem que os programadores andam à procura e sabem, e não se limitam a gerir a oferta dos agentes.
Pianista, acordeonista e compositor, Rosenblum, fala de si: in some ways, the Nebula Project is my take on the classic hard-bop jazz format pioneered by people like Art Blakey, Oliver Nelson and Clifford Brown/Max Roach. Se ao «formato» associarmos as suas pesquisas pela música do nordeste brasileiro, os folclores celtas e a música das Caraíbas, teremos a ambição do Nebula Project.
O último dia do festival, enfim, inicia-se com a recriação das históricas sessões Charlie Parker with Strings pelo saxofonista Ricardo Toscano. As sessões assumiram à altura (1949/ 1950) proporções de verdadeiro escândalo ao pretender conciliar a música clássica com jazz, mas tornou-se uma obra mítica. Sendo «Bird» um dos heróis de Ricardo Toscano, seria quase inevitável que um dia ele haveria de arriscar tocar este Bird with Strings. Do lado das cordas estará o Ensemble AH.
O festival completa-se com o Angrajazz Legacy Quintet com Francesco Cafiso, nome de circunstância para o grupo que resulta da curadoria do baterista e professor Ulysses Owens Jr., e a que se juntou o saxofone de Cafiso. Bop, swing, o Jazz da tradição, o Jazz que não se questiona, a juventude, a alegria do Jazz a encerrar o festival.
(Leonel Santos estará no AngraJazz a convite do festival)
Qua 2 | Angra do Heroísmo | Centro Cultural e de Congressos | 21.30 | Orquestra Angrajazz com Perico Sambeat |
Pedro Moreira (dir), Claus Nymark (dir), Perico Sambeat (s), Micaela Matos (sa), Rui Borba (sa), Rui Melo (st), Mauro Lourenço (st), José Pedro Pires (sb), Paulo Borges (t), Márcio Cota (t), Guilherme Costa (t), Tomás Reis (t), Paulo Lourenço (t), Manuel Almeida (trb), Miguel Moutinho (trb), Nelson Silveira (trb), Antonella Barletta (p), Paulo Cunha (ctb), Nuno Pinheiro (bat) |
Camilla George Quartet | Camilla George (sa), Renato Paris (tec, voz), Jihad Darwish (ctb), Rod Young (bat) | ||||
Qui 3 | Angra do Heroísmo | Centro Cultural e de Congressos | 21.30 | Mário Laginha + João Paulo Esteves da Silva | Mário Laginha (p), João Paulo Esteves da Silva (p) |
Catherine Russell Quartet | Catherine Russell (voz) Roy Dunlap (p) Tal Ronen (ctb) Domo Branch (bat) | ||||
Sex 4 | Angra do Heroísmo | Centro Cultural e de Congressos | 21.30 | Vijay Iyer Trio | Vijay Iyer (p), Nick Dunston (ctb), Jeremy Dutton (bat) |
Ben Rosenblum Septet Nebula Project | Ben Rosenblum (p, aco), Wayne Tucker (t), Rafael Rosa (g), Jasper Dutz (s), Xavier Del Castillo (s, f), Marty Jaffe (ctb), Ben Zweig (bat) | ||||
Sáb 5 | Angra do Heroísmo | Centro Cultural e de Congressos | 21.30 | Ricardo Toscano Quarteto + Ensemble AH «Bird with Strings» |
Ricardo Toscano (sa), Romeu Tristão (ctb), João Pedro Coelho (p), João Pereira (bat), Ensemble AH: Pedro Moreira (dir), Elena Kharambura (v), Ana Catarina Pinto (v), Vitor Falcão (v), Gabriel Pereira (v), Laura Meneses (v), Ostap Kharambura (viola), José João Dinis Silva (viola), Orest Grytsyuk (celo), Svitlana Pustovhar (celo), Tiago Gaspar Marques (oboé), Edgar Marques (trom) |
Angrajazz Legacy Quintet |
Charles Goold (bat), Anthony Hervey (t), Francesco Cafiso (s), Tyler Bullock (p), Thomas Milovac (ctb) |
Leonel Santos